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Nas minhas férias, a cerveja artesanal passou por uma revolução (ou não)

Juliana Simon

27/09/2020 04h00

Para quem não sabe, jornalista tira férias. Comigo não foi diferente: após um ano em formulação, estreia e suor com Nossa em tempos de pandemia-home office, parei para sossegar a cabeça e começar o novo ano do jeito que eu gosto: com sangue nos olhos e cerveja no copo.

E o que aconteceu justamente nesse mês? O mundo cervejeiro se transformou… ou não.

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Mas antes vamos lá para o fim de 2019, início de 2020, com o caso Backer. Ali, quando covid-19 nem era o pavor da vez, a produção artesanal de cerveja sentou no divã e foi pega de calças curtíssimas em termos de ética, responsabilidade e qualidade. Isso tudo em torno somente do produto, do líquido, da tal cerveja.

Diante da gravidade do caso, a questão ganhou páginas policiais, mas sumiu da mídia cervejeira e das mesas de bar (ainda que virtuais na pandemia).

Estava lá a oportunidade para pensar em como as cervejarias fora do mundo mainstream (entende-se Ambev e Heineken), as ditas "artesanais" (ainda que seja um termo bem difuso) também são empresas, sejam elas nano, micro, ou de médio porte.

E como empresas, têm responsabilidades com funcionários, consumidores, órgãos reguladores, concorrentes.

CADA MEMBRO dessa cadeia (seja o cervejeiro, o sommelier, o jornalista que explora esse meio, o influencer que divulga o produto) tem seu papel e seus deveres comerciais, judiciais e, sem dúvida, éticos…

…mas que papo chato é esse de ética, né?

Corta para agosto de 2020. Mais precisamente na sexta, dia 14. Sara Araújo posta um série de prints de conversas que ocorreram em um grupo de cervejeiros. O teor? Racismo, misoginia, homofobia. Os nomes? Naquela ocasião, omitidos, mas não tardou a serem revelados.

No turbilhão de trabalho pré-férias, fui atrás da Sara e de alguns nomes vazados do grupo. E acredito que agora, quase um mês depois, vale esta prestação de contas ao leitor deste blog:

Na semana seguinte, procurei os dois lados. Dos acusados, somente um falou comigo abertamente, pediu desculpas e se mostrou arrependido com a troca de mensagens, com sua presença em um grupo em que estas declarações eram comuns e rotineiras. O restante, só falaria comigo em off e foi cogitada uma declaração conjunta e anônima via advogado.

Ao mesmo tempo, ofereci espaço a Sara para que também falasse e respondesse à acusação dos denunciados de que houvera manipulação das mensagens, por exemplo. Dez dias depois do ocorrido, a resposta de Sara foi a de que não estava pronta para falar sobre o caso.

Sendo assim, sem nada de muito concreto e tudo muito atrelado a boataria e pitacos de redes sociais, desisti, fui para as férias e vi sair matéria nas mídias não-especializadas: primeiro na Folha, com declarações e promessas do ex-presidente da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal – Abracerva – (o qual caiu ao ter também mensagens de teor misógino vazado). Depois, Sara, que falou em entrevista em primeira mão para o Fantástico.

O bom foi ver que o jornalismo cervejeiro tá muito bem representado pelos colegas de Guia da Cerveja e Revista da Cerveja. E não é que gente não é só divulgação e dar pinta em evento?

Passado um mês, são muitas aulas, palestras, posts, desabafos e, como jornalista, saio bem ferida desse rebuliço todo. E, sim, vejo com muita desconfiança esse enorme barulho virtual gerado com o caso.

(Daqui pra frente) tudo vai ser diferente?

Só sobrou aquele gosto amargo (desta vez nada gostoso) da falta profissionalismo. E, por isso, as previsões são bastante sombrias.

Quem "zoa muito" num grupo de 200 pessoas é de uma inocência atroz. Não existe "brincar" de ser racista, machista, homofóbico, antissemita, amigos. Arquem com as consequências de seus atos, ainda mais se este é criminoso.

Por outro lado, quem acredita em ativismo e denúncia em redes sociais, precisa dizer que é uma revolta efêmera, seletiva e pouco eficaz? Foram milhares de posts, stories, novas denúncias e agora vigora um incômodo silêncio quando a pergunta é "Daqui um ano, como veremos tudo isso?". Queremos espaço ou palco? Ainda não sei.

De #MeToo a #BlackLivesMatter, hashtags só ganham poder quando vão para fora do ambiente "meu feed, minha vida", em forma de informação profissional (oi), processos e movimentações eficazes de marcas e instituições – como a bendita Abracerva para o mundo cervejeiro artesanal.

Nessa volta de férias, me comprometo a explorar – e o quanto o mundo cervejeiro quiser e permitir – TAMBÉM questões além do produto. Se algo de bom sai de tudo isso, é conhecer iniciativas de gente que fala e faz na mesma proporção.

Sim, eu acredito em justiça e jornalismo – e talvez a inocente aqui seja mesmo eu. Mas seguimos em frente.

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Sobre a autora

Juliana Simon é jornalista do UOL, sommelière de cervejas, mestre em estilos e especialista em harmonização pelo Instituto da Cerveja Brasil.

Sobre o blog

O Siga o Copo é espaço para dicas, novidades e reportagens para quem já adora ou quer saber mais sobre o universo cervejeiro e de mais bebidas.