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O ano de um bar na pandemia: como sobreviver sem incentivo?

Juliana Simon

27/04/2021 09h47

Funcionários do Let's Beer (Divulgação)

É difícil apontar alguém que não tenha sido minimamente atingido pela crise. Nem mesmo a cerveja, tema desse blog, resistiu a essa pandemia sem hora para acabar.

Desde o início deste turbilhão foram incontáveis os pedidos de ajuda, desabafos, corações partidos diante de cada cervejaria ou bar que fechava suas portas, de cada cervejeiro que mês a mês não sabe quanto mais vai resistir. Também não foram poucas as iniciativas e tentativas de superar o cenário incerto, o governo negligente, o negacionismo.

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E é nesse impasse que Guto Procópio, sócio do Let's Beer (São Paulo), relata ao Siga o Copo como tem sido esse ano para quem está atrás dos balcões, e também conta detalhes sobre a esperança de se unir a restaurantes vizinhos do bairro num coletivo que pede ajuda para resistir.

Cervejeiros e cervejeiros

Diante da crescente demanda por bebidas alcoólicas na pandemia, seria natural ao público leigo imaginar que todo mundo da cadeia está aproveitando para vender muito. Longe disso.

Guto lembra das diferentes realidades entre as grandes cervejarias, que vendem em grande quantidade, a preços baixos, nas grandes redes de supermercado, e os pequenos negócios, que produzem cerveja de forma artesanal e/ou bares que vendem cerveja de pequenos produtores.

Esse é o caso do bar comandado por Guto. E que, assim como muita gente, não teve como prever ou se preparar para um 2020 sem precedentes.

Guto Procópio, sócio do Let's Beer (Divulgação)

"No início, ainda parecia controlável, de médio prazo, que talvez duraria apenas 2 ou 3 meses. Então a reação natural administrativa foi tentar cortar despesas, negociar pagamentos futuros, aumentar as receitas de vendas online", lembra.

Apesar de surgir como um respiro, o delivery ajuda, mas não resolve. No caso do Let's Beer, que já contava com entregas em domicílio desde 2016, havia um otimismo sobre a resistência do negócio na pandemia, ou pelo menos na primeira onda. Porém, boas vendas online não evitam prejuízos.

Segundo Guto, o problema do mercado online é a grande concorrência por preço: "O cliente quase não percebe diferença no serviço, que é rapidamente padronizado por todos os estabelecimentos", opina.

Além do serviço usual, a casa criou eventos online e palestras sobre cerveja para pequenos grupos em happy hours corporativos em 2020 e o prejuízo do ano foi controlado por conta disso.

Ainda assim, o temor de não poder pagar credores, ficar sem energia, sem água, não funcionar e perder até o direito de permanecer no imóvel resiste. E com a luz do fim do túnel ainda distante (vacinação efetiva e ágil para controlar o contágio e as variantes), o medo aumenta.

"Contradição angustiante"

Vivemos um período emocionalmente muito difícil durante o último ano. Sentimos uma nova sensação de insegurança. Queríamos ficar isolados, mas sentimos que havia uma contradição angustiante de ter que decidir entre ir trabalhar para pagar as contas da semana e ficar em casa para nos proteger", conta.

O bar garante que todas as determinações de todas as fases estipuladas pelo governo estadual foram respeitadas, assim como as regras sanitárias estipuladas pela Prefeitura de São Paulo em julho de 2020, e o protocolo de reabertura da Abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.

E não é só nessa confusão entre abrir ou não abrir – e como abrir – que reside a angústia de quem conduz um pequeno negócio. Não há contrapartidas e auxílios que garantam a sobrevivência de quem não tem um lobby poderoso diante das complicadas esferas do poder.

Sem ajuda oficial, nasce um coletivo

Com ajudas estaduais reduzidas, sem segurança para os aluguéis, sem desconto no IPTU, sem garantias para os salários dos funcionários, aumento do ICMS e diante da sofrida adesão às restrições de horário de funcionamento impostas pelo Estado, a solução imediata para o bar de Procópio e outros cinco estabelecimentos do bairro paulistano da Vila Mariana foi propor ações de ajuda e divulgação mútua.

Camiseta do Coletivo Vila Mariana, que inclui empresas como a Castro Burger e a Walnuts Sorvetes (Divulgação)

Assim surgiu, em março de 2021, o Coletivo da Vila Mariana (https://linktr.ee/coletivovilamariana), formado pelo Let's Beer (@letsbeer), Balcón Empanadas (@balcon.br), Castro Burger (@castro.burger), Zino Restaurante (@zino_adega_e_restaurante), Box St. Burger Bar (@box.st) e Walnuts Sorvetes (@walnutssorvetes).

Em esquema de vaquinha coletiva pelo abacashi.com, os estabelecimentos estipularam uma caixinha voluntária e solidária a todos funcionários, que ficam sem 10% de serviço durante o período em que há obrigação de venda apenas por delivery.

A campanha – que, a princípio, segue até o dia 30 de abril – atenta para pontos que garantiriam uma sobrevida dos pequenos negócios, como:

  • vacinação mais eficaz;
  • proibição do corte de fornecimento de água, luz e gás para pequenos estabelecimentos e subsídio no valor da conta como política pública permanente;
  • controle e subsídio das taxas de cartões, vale-refeição e aplicativos de delivery;
  • suspensão do IPTU para pequenas empresas;
  • carência prolongada de contratos de empréstimos com instituições financeiras;
  • reedição da MP 936/20 – que permitiu a redução de jornadas e a suspensão temporária de contratos-;
  • suspensão do aumento em insumos e do reajuste da alíquota de ICMS;
  • reabertura do Pronampe sem restrições de crédito a negativados;
  • proibição de despejos por atraso de aluguel;
  • e ampliação dos impostos sobre dividendos de grandes empresas.

Depois de mais de um ano, não podemos perder a sensibilidade diante dos números – seja o das vidas que a covid levou ou da batalha dos que se equilibram na dura matemática de sobreviver, empregar, resistir e proteger.

No fim das contas, no Brasil é covid, é fome, é tiro e "tratamento precoce" ineficaz pra todos os lados.

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Sobre a autora

Juliana Simon é jornalista do UOL, sommelière de cervejas, mestre em estilos e especialista em harmonização pelo Instituto da Cerveja Brasil.

Sobre o blog

O Siga o Copo é espaço para dicas, novidades e reportagens para quem já adora ou quer saber mais sobre o universo cervejeiro e de mais bebidas.